domingo, 26 de janeiro de 2020

HC Entrevista: Munha da 7, a bad, a música experimental e o Satanique Samba Trio...

Satanique Samba Trio por Thais Mallon

Ano passado resolvemos começar a soltar uns papos por aqui. Começamos a sessão com um papo massa com o trio Devotos falando sobre seu primeiro álbum, lançado mais de 20 anos atrás (saca o papo ai). Finalmente soltamos o segundo papo dessa sessão atemporal, atemática, entre outros as.

Trocamos uma ideia massa com Munha da 7, regente e uma das cabeças pensantes do quinteto candango Satanique Samba Trio, uma das bandas favoritas da casa. Neste LINK, você consegue acessar e baixar todos os álbuns da banda postados aqui no blog e ainda tem um bootleg deles de brinde (só não postamos o Mó Bad, um misto de compilação e algumas inéditas).

A Satanique tem mais de 15 anos de vida, já levou a bad da música tradicional brasileira para o além mar, se destacando com um dos grupos nacionais mais criativos, com muita ousadia e tristeza. No papo que vocês devem ler abaixo, falamos sobre a banda, Brasília, até onde a bad pode ir, experimentações sonoras, entre outras ideias.

Tirando o Xenossamba, o Sangrou e o Misantropicália, todos os outros álbuns tem BAD no nome. E os caminhos para onde o Brasil está andando (em todos os sentidos possíveis) só deixam a situação ainda mais bad. A minha pergunta é: Quão bad a Satanique ainda consegue ser? Vocês assumem alguma responsabilidade pelo nosso momento atual?

Olha... quando eu cheguei já estava assim. Nasci durante a ditadura, então o máximo que pude fazer desde sempre foi musicar a bad que paira sobre nós. Note que os álbuns do Satanique Samba Trio foram ficando mais insuportáveis de 2016 pra cá. Não é à toa.

A primeira vez que eu te entrevistei foi após a trilogia da simulação bad trip e uma das ideias após a trilogia era um álbum com vozes e cantores convidados. Essa ideia ainda existe ou vingou? Já tem alguns cantores escolhidos? Pode soltar algum nome?

Essa ideia está em plena fruição, mas logisticamente tem lá seus percalços, por isso vai demorar mais do que eu imaginava. São 11 letristas e 11 vocalistas diferentes, então imagine o quanto é difícil e dispendioso administrar tantos doidões de uma vez só.

Essa empreitada ocorre em dois momentos paralelos: a fase de negociação e a fase contratual. Não posso falar com quem estamos negociando por que pode ser que nunca saia do papel e não posso citar os artistas que já assinaram por causa da cláusula de não-divulgação, mas digamos que o espectro é grande. Vamos de nomes inusitados a parcerias óbvias, dentre ilustres desconhecidos e artistas bem famosos (do Brasil e do exterior, anote aí).

No mesmo papo, eu citei Zorn falando sobre a música instrumental e experimental e você fez uma ressalva sobre o que você considera experimental mudar de década pra década. Já fazem 8 anos desse papo, o que mudou na sua consideração sobre experimentação musical?

Ainda é cedo pra situar um ponto de confluência das experimentações artísticas que marcaram a última década, mas acredito que provavelmente vamos reconhecê-la como o período que repensou o conceito de espetáculo. Muito se fez nesse sentido: as live performances se ramificaram de maneiras bem imprevisíveis e suscitaram discussões que ainda nem terminaram.

Pesquisando matérias sobre o Mais Bad, percebi que existem muito mais falas gringas sobre o trabalho. Existe uma crise no jornalismo cultural brasileiro, isso é verdade, mas como você vê essa ausência de crítica ou até de informes sobre o trabalho novo no Brasil?

Eu não costumo acompanhar a imprensa musical – seja nativa ou estrangeira – então não saberia dizer. Algo que notei no caso específico do Mais Bad foi que, apesar da menor quantidade de reviews na mídia brasileira, a qualidade dos textos foi superior. Em nossas praias há uma propriedade de análise sobre o escopo da banda (a MPB e sua desconstrução) que ainda falta aos gringos. Antes de saber o que é um xote em 9/8, o autor precisa saber o que é um xote, afinal.

A primeira vez que eu li sobre vocês foi em 2005, falavam em "audácia", "ousadia" e "ironia" e estes ainda são termos recorrentes nas matérias sobre a banda. Vocês ainda se vêem realmente audaciosos e irônicos? Pergunto porque é uma audácia que dura muito tempo ou uma ironia que talvez já e não tenha mais volta.

Eu estava conversando sobre isso com o Lupa (Marques, baterista do quinteto) outro dia. Tanto a ironia quanto a audácia são filhas da inquietação. A mim é quase impossível não responder com sarcasmo a certas situações aflitivas, especialmente as artísticas. E, vá lá, a arte só se torna situação quando se repete às raias da acomodação. É aí que eu entro: pra fazer uma piadinha em cima de um chavão repetido à míngua ou comentar um clichê babaca. Se esta compulsão é uma prisão, o Satanique Samba Trio é a cela. Estou de boa com isso. Podia ser pior.

Pesquisando, achei isso aqui: "The satanic samba trio clearly cracked the code of how to make successfully some really cool tunes & get them all successfully squeezed in shorties of time". Vocês acreditam que craked the code? E como vocês acreditam que fizeram isso?

Não cabe a mim avaliar o quanto conseguimos ou não decifrar dos códigos, mas se o fizemos, acho que é graças à organização do mecanismo de composição do SS3. Partindo de um conceito, fica fácil contar uma história em pouco tempo. Se não houver bússola, a tendência é o naufrágio.

Em 2019 vocês lançaram um álbum pelos stories do instagram. Uma parada realmente diferente (ousada talvez?) e lembro de um papo sobre algum selo gringo querer lançar esses microsons. Isso andou ou realmente aquelas músicas morreram juntos com os algoritmos do instagram e apenas o zuckeberg podem ouvir elas agora?

Este é o mais recente castelo a ruir no horizonte do Satanique Samba Trio. Durante o processo de negociação com o selo descobriu-se que alguns “fãs” arrumaram um jeito de baixar as músicas do álbum e estavam vendendo os arquivos em sites russos. Decepcionados com o fim do ineditismo da porra toda, os gringos deram pra trás. Eles queriam relançar música por música no Stories do instagram da gravadora, da mesma forma que fizemos em 2019, só que com um alcance muito maior (pra lá de 200 mil seguidores). Com a música disponível online pra quem quiser baixar, imagino que não valha o esforço, enfim. Tudo bem, entendo os caras, mas agora que tem espertinho ganhando dinheiro com nosso material fiquei puto e caso ninguém faça uma proposta nas próximas semanas vamos lançar de maneira independente mesmo e foda-se.

O que ainda falta pro Satanique Samba Trio fazer em termos musicais? Quais caminhos musicais para abrir a caixa de pandora de bads estão no horizonte da banda? Existe alguma sonoridade que o grupo não tentaria mostrar a bad jamais?

Um MONTE DE MERDA, obviamente. Vocês não perdem por esperar!

De música genuinamente brasileira, não há ritmo que não esteja no nosso radar estético. Em 2020 vamos revirar tradições menos conhecidas, como o Calango Endiabrado, o Quirogo e etc. Talvez em cima de um trio elétrico, quem sabe? (Em continuidade ao projeto Satanique Samba Trio Elétrico).



Existiria a Satanique se vocês não fossem de Brasília? Isso influencia em alguma coisa?

Influencia demais. O aparato musical que ergueu o DF se fixa em algum momento – provavelmente lá pelo começo dos anos 70 -  sobre o diálogo cultural entre o Clube do Choro do Plano Piloto e a tradição do São João de algumas cidades satélites. Aí o assunto “baião versus samba ou baião com samba” tornou-se tradição na academia local, seja no pátio da Escola de Música ou na pracinha do Departamento de Artes da UnB. É até difícil escapar disso, então gerou-se uma tensão estética propícia para o nascimento de frutos pitorescos como o Satanique Samba Trio ou essa nova geração da MPB avant garde (Galinha Caipira Completa, Pedro Martins, etc). É um fenômeno muito típico do quadradinho para assumir que aconteceria em outro lugar, mas a criatividade do artista brasileiro é ímpar, então fica difícil conjecturar a existência de qualquer glosa hipotética. Em se tratando de Brasil, nunca se sabe.

Tu tem um trabalho solo que foge um pouco das ideias da Satanique Samba Trio e lançou um álbum de um minuto via instagram. Como você vê essa ideia da metalinguagem da expressão em intervalos curtos de tempo? Vai sair só online ou pode sair num material físico?

O que entendemos como o tamanho “ideal” de música é fruto de uma convenção, uma cagação de regra meio arbitrária imposta pelas rádios do Século XX. Antes disso, a duração média de uma música era diferente, bem maior, pensada para fruição em casas de concerto, catedrais, etc. Em tempos de atenção dividida, fluxo intenso de informação e tudo mais, me parece válido propor novos limites temporais. Talvez eu tenha exagerado um pouco na discussão, admito, mas estamos todos nos divertindo. Quer dizer, talvez nem tanto assim, talvez não dê tempo pra se divertir. De qualquer forma, por enquanto, sigo aguardando propostas de lançamento físico.

O que tu tem escutado de novidade na música? O que ainda chama sua atenção?

Hoje em dia eu praticamente só ouço música para a pesquisa do Satanique Samba Trio. Isso já é coisa pra caramba, mas não tem nada muito recente nesta alçada, acaba sendo um estudo voltado para as décadas anteriores. O problema é que, assim, quando chego em casa, a última coisa que quero fazer pra descansar é ouvir música. Já me despedi há muito tempo do caráter recreativo da música, infelizmente.

De onde vem a sua necessidade de criar?

Talvez seja uma pulsão de desmorte, uma maneira atabalhoada de compensar tudo o que destruí até aqui. Só dos meus próprios ossos tem umas centenas de eventos aí pra recuperar.

A Satanique Samba Trio tá indo pros 20 anos de existência, com mais de 10 trabalhos lançados. Tu já consegue avaliar a carreira da banda? Melhores momentos, piores momentos, acertos e erros? Tu tem um álbum preferido?

São, na verdade, APENAS 16 anos de carreira. O melhor momento até agora talvez tenha sido a semana em que ficamos em QUINTO lugar no itunes da República Tcheca, desbancando o Coldplay. O pior acho que foi o cancelamento da turnê brasileira que agitamos com um medalhão da música de vanguarda brasileira há alguns anos. Foi um baque, aconteceu em dois mil e bolinha, mas ainda não nos recuperamos completamente. Aqui a dor é valorizada.

PESSOALMENTE, arrisco dizer que o meu álbum favorito da banda é o Instant Karma – nosso álbum líquido, que por sinal quase ninguém ouviu.

Você responder Instant Karma me levou a outro questionamento: no que a Satanique realmente ganha com ações tipo esses disco ser lançado através do stories? Rolou um boom de seguidores para melhor o engajamento na rede?

Quando surgiu esse conceito do disco líquido, pensamos em um formato que fosse transitório e barato. A resposta mais óbvia era o stories do instagram. Não tinha outra opção no nosso horizonte, então nem chegamos a fazer uma projeção da repercussão, era só mais um formato disponível para testar mais uma de nossas ideias idiotas, bem como o CD, o vinil, etc. Pra ser sincero não sei nem te responder SE a gente ganhou seguidores ou o quanto o álbum repercutiu, nosso produtor é quem acompanha esses números e eu sempre me esqueço de perguntar. Sei que aparentemente ninguém ouviu. Se bobear, até PERDEMOS seguidores, realmente não faço ideia. 

Pedimos pra ENORME AUDIÊNCIA e os MILHARES DE FÃS da Satanique enviarem indagações sobre o grupo (Você aceitou dar a entrevista, agora aguente):

Tem uma versão ao vivo de Cabra da Peste Negra no Bad Trip Simulator #3 com introdução em francês que foi gravada no Chez Michou. O que é e onde fica o Chez Michou?

Sobre os processos de gravação: existe preferência entre ao vivo ou em estudio tudo bonitinho?

Chez Michou é uma creperia que ficava na 207 Norte, perto do estúdio de gravação do nosso amigo Droguinha. Volta e meia rolava algum show muito louco por ali e numa dessas gravamos essa mixórdia. Não lembro exatamente os detalhes, mas Etos Jeronimo, nosso clarinetista da época resolveu apresentá-la em francês, sabe-se lá por quê. A execução ficou tão “especial” que resolvi incluir como bônus track do álbum físico.

Geralmente prefiro ambientes mais controlados, gravação em estúdio mesmo, instrumento por instrumento, entre copos descartáveis e papéis amassados, mas às vezes nos deparamos com conceitos que exigem todos os músicos na mesma sala. “Luciferi Tum Tum”, do Bad Trip Simulator #2, por exemplo, foi gravada desse jeito, vagabundo olhando pra cara de vagabundo.

Em Natal você disse que o show pra 40 pessoas foi mais animado do que alguns na Europa pra milhares. No geral como funciona a receptividade do público?

O show de Natal teve de tudo: gente caindo de cabeça de cima do balcão do bar, maluco dançando xaxado, briga na plateia e fãs do Roberto Leal. Isso nunca nos aconteceu na Europa, até por que a faixa etária dos públicos é muito diferente. Enquanto aqui arregimentamos uma audiência de jovens desgraçados da cabeça, na Europa é só coroa - muito músico das antigas e ex-doidões de carteirinha. Em ambos os casos todo mundo se diverte.



Você sabe exatamente quantos álbuns físicos já venderam, desde o primeirão lá em 2004?

Acrescento: Como tem andado o mercado/ business da Satanique em termos de venda? Me refiro aos formatos, já que vocês sempre foram da seara do vinil. Por exemplo, o streaming ajuda em alguma coisa? Digo isso porque o Mais Bad ainda não está nas plataformas todas.

Fazendo um cálculo de cabeça, considerando que os CDs da Trilogia da Putrefação (Bad Trip Simulator #2, Bad Trip Simulator #1 e Bad Trip Simulator #3) foram reprensados 3 vezes, eu diria que vendemos uns 20 mil registros físicos, entre CDs e vinis. Comparando com grandes nomes do passado parece pouco, mas ao levar em conta a época (Século XXI) e a disfagia estética que proporcionamos, me parece razoável. Tão razoável que vamos para a quarta prensagem em breve, inclusive.

Sempre que resolvemos largar de vez esse negócio de CD, aparece algum maluco em algum lugar do mundo oferecendo contrato de distribuição, aí precisamos mandar fazer mais um fardo de disquinho e saímos dizendo por aí que o Satanique Samba Trio é o último projeto do mundo a ainda lançar CD, quando sabemos que não é verdade pois ontem mesmo achei um camelô vendendo CD pirata do Art Popular no centro da Ceilândia (DF). Comprei? Comprei.

Quanto à ausência do Mais Bad nas plataformas de streaming, o motivo é relacionado ao selo que o lançou (Rebel Up - Bélgica). Geralmente, eles sobem os discos primeiro para o Bandcamp, deixam um tempo em uma espécie de “quarentena rentável”, ofertando o conteúdo para fãs dispostos a pagar en directo e depois, se houver demanda, disponibilizam nos streamings da vida.

É meio frustrante para os fãs viciados em Spotify, mas entendo perfeitamente, já que esse negócio de streaming quase não dá dinheiro para artistas e distribuidores de pequeno ou médio porte. Assim, obviamente, os caras vão preferir algo que lhes renda alguns cascalhos sem a mordida do intermediário - por isso o Bandcamp. Lembro que quando estava negociando o lançamento do Mais Bad com outros selos estrangeiros, absolutamente todos os contratos proibiam a disponibilização automática nas plataformas de streaming. Pelo visto é tendência.

Porque o satanique não faz cover?

Boa pergunta. O Satanique Samba Trio não faz cover por que a proposta da banda é, basicamente, esculhambar clichês da MPB sem associá-los a nomes reconhecíveis e, em uma segunda instância, celebrar a inventividade dos gênios anônimos que definiram as tendências que mais tarde viriam a se tornar chavões.

Perguntaram por dm: Tu já foi confundido com segurança da banda em algum show?

Usando a pergunta: o Satanique Samba Trio transita muito pelo erudito da música brasileira, um lugar um tanto elitista e embranquecido, queria saber se essa ainda é a realidade e como é pra você enquanto um não-europeu no meio dessa porra toda.

O circuito da música erudita no Brasil é sim repugnantemente elitizado, justamente por isso também muito restrito a teatros e ambientes específicos. E eu digo isso como espectador esporádico, por que o Satanique Samba Trio em si não circula tanto assim nesse universo, pelo menos não fisicamente. Estamos mais presentes em palcos do que em grandes teatros, então no final das contas nosso público é outro, tem uma cara diferente. Uma cara linda, diga-se de passagem.

E imagino que eu não seja grande o suficiente pra ser confundindo com um segurança, mas te digo que já me chamaram de Vin Diesel do Esgoto por aí.

Quem você chamaria pra produzir um álbum do Satanique se não pudesse ser ele ou qualquer outro membro da banda? 

Nem preciso pensar muito: não havendo restrição orçamentária, seria o maestro Quincy Jones. Manja muito de música brasileira. Com restrições, seria o meu parça Chico PS, pois provavelmente faria de graça.


O SS3 dá dinheiro? O SS3 tem groupies?

Dá dinheiro sim, mas não sei exatamente pra quem. E, poxa, se com “groupies”, a pessoa quis dizer “doidões que compram material da banda e se esquecem de informar o endereço para envio”, sim, tem demais.

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