segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Hurtmold e Paulo Santos - Curado (2016)




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"Escrever sobre música é um negócio estranho. É como um menino de sunga na praia. Esse moleque dá socos numa onda. Pra quem o vê (e lê), o soco na onda (e o texto) é (é) um espetáculo meio bocó, engraçadinho, curioso / Vazio / Tanto o garotinho quanto o crítico realizam o inútil. Sobre isso, um texto de 1810. E.T.A. Hoffmann, autor d’O Quebra-Nozes. Ele diz lá que a música é incapaz de viver fora dela mesma / Ou melhor: ela comunica um universo que as palavras não comunicam / Ou pior: ela é um mecanismo que não pertence ao verbo / Cada vez que uma composição é explicada (e músicos possuem uma alergia infinita a explicá-la), ela deixa de ser o que é / Somos egoístas. Você e eu acreditamos que toda canção é feita a nosso serviço. Música e letra ressoam somente aquilo que levamos no estômago – o amor que não deu certo, a paisagem na janela, a vontade de suar. Uma concordância infinita na discordância. Ela é sempre sobre nós / E assim que, ao falar de música, você e eu, ele e ela, a diluímos / Uma gota de vinagre na água e a água não é mais água / Aqui o vinagre: Curado, oito músicas, duas vinhetas, 46 minutos, 2016, o sétimo álbum do Hurtmold. É o melhor trabalho do sexteto paulistano desde Mestro (2004). E o mais definidor desde Cozido (2002) / Curado e Cozido, a propósito // Pra além da óbvia conexão culinária dos títulos, são discos que conversam sobre a passagem do tempo. No exemplo mais evidente, os álbuns repetem a faixa Bulawayo. Em 2002, a banda a gravou com as certezas da juventude: a música era afirmativa, alta, bruta / Em Curado, 14 anos depois, o sexteto envelhece com a sabedoria de quem perde os cabelos e certezas. Aqui, Bulawayo é menos repetitiva. A introdução, criada por Paulo Santos, ex-Uakti, grita as coisas entre os silêncios. Diz seja lá o que tiver de dizer com pouco / Ao permitir a comparação entre a Bulawayo de lá e da Bulawayo daqui, o Hurtmold desafia o espelho // Paulo Santos é a presença essencial do disco. Com sons que tira de tubos de PVC, arcos metálicos, espumas, ele torna cada faixa um exercício inesperado. Este é um disco do Hurtmold. Mas é um disco do Hurtmold curado pelo mineiro / Para a banda, sua convocação é uma ferramenta de ruptura (como o cornetista norte-americano Rob Mazurek, em trabalhos passados, foi outra) / Em Mils Crianças (2012), um disco de esgotamento, o molde perdia elasticidade, aceitando mais das mesmas coisas. Curado cutuca esses limites / Este é um disco desafiador de rock. Portanto, atiçará as confusões de sempre. E são engraçadas, essas confusões. Note como: (1) muita gente costuma pregar definições fajutas ao grupo. Há quem ouça jazz ali. Mas jazz não há. E (2) tem também quem aponte uma excelência em improvisos – embora o sexteto seja uma das bandas que menos improvisem entre as bandas que parecem improvisar / O que interessa, ao cabo: estar diante de artistas que confundem, que fazem a gente errar, que sinalizam coisas amplas e puramente não-verbais. Música, enfim // Música é a suprema distração. Arte que prescinde de palavras. O verbo, ao contrário, é o fracasso da música. Um fracasso irresistível, mas um fracasso. Porque se escrever sobre uma melodia é o negócio estranho lá do alto da página, fazê-lo aqui embaixo é como iluminar uma sombra / No momento em que a luz e a palavra a tocam, ela some / Ela é outra coisa / Ridendo dicere severum / Curado, como piada de Cozido, diz".
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